Curadorias

O acontecimento na pintura de Giulia Bianchi As pinturas de Giulia Bianchi são experiências de desenraizamento, nos permitem acessar o instante, somam um conjunto de forças, parecem querer apagar seus temas, mostrar seu avesso, o que vemos nunca nos é dado antecipadamente. Na série dos corpos, os delineamentos e as distâncias dão lugar a áreas de luz e sombra. As peles de cores rosáceas, com seus efeitos brilhantes, rasgam o plano, transcendem a unidade, misturam figura e fundo. A proximidade dessas dobras, orifícios, curvas, fendas, volumes aludem a latências que dão sentido à intenção e ao pulso e são acima de tudo estratos de um fazer. Assim, o gestual se sobrepõe as formas, a mão conduz à visão. Através de uma fatura fluída, expressam uma maneira de pintar que se transfigura em complexas superfícies onde as coisas representadas resultam numa pintura que não esconde seu sentido pulsional. Muito da nossa experiência de ver pintura atualmente se assemelha a um catálogo, temos à disposição toda a história, exposições, estilos, codificações, conceitos e rupturas, tudo ao mesmo tempo. Mergulhamos num mostruário mnemônico de imagens infinitas, porém perdemos algo físico. Este processo, categorizador, promove modelos e escolas. Cabe a cada pintor descobrir sua própria multiplicidade frente aos paradigmas, mimetismos e semelhanças, sair da dualidade, subtrair desse sistema ambíguo sua potência. Em contraponto ao paroxismo e a analogia, temos na pintura de Giulia Bianchi, consciências dadas pelas evidências sensíveis da cor, pela gravidade da mão, pela presença dessa experiência ativa em nós, deste corpo múltiplo que nos abriga ao mundo presente e inverte aquele velho sujeito da representação, da separação e do enraizamento estético. Assim, suas séries trazem algo que construímos na percepção e na presença, pois estas pinturas são o próprio acontecimento. Elas não demandam de um discurso linear, não seguem roteiro, nem efemérides, não têm uma identidade genealógica, elas apenas se mostram sem nostalgias ou esperança. Suas aparências e fisionomias nos fornecem o abrigo do agora, nos fazem surfar em espirais de um tempo vivido, promovem o instante, a união do que se sente e do que se vê, revelando, como um ato amoroso, o prazer de pintar. Rubens Zaccharias Jr.
O lugar da experiência na pintura de Alexandre Ignácio Alves Fetiches, palimpsestos e outros horizontes demandam de nosso olhar mais do que um simples processo interpretativo, inferencial ou mesmo formal dos signos visuais; fetiches e palimpsestos são aqui verdadeiros suportes para entronizações. Seus arranjos compactuam temas eternos da pintura com uma maneira de pintar sem maneirismos ou anacronismos. Na série dos retratos efetivamente se unem formas a afetos, eles anunciam contrapartidas ao figurativismo clichê da pintura de gênero, pois revelam magnetismos sutis em suas elaboradas dissonâncias e harmonias. Nesses retratos, assim como nos palimpsestos e fetiches, aquela busca de um mito originário na pintura se desfaz em superfícies amplas, onde a densidade da fatura e o caráter diáfano das tonalidades se complementam, tornando nossa experiência o lugar de um presente enigmático e atemporal. Nessas pinturas, estamos diante de singularidades, pulsões, retornos e movimentos pendulares, elas nos mostram a experiência silenciosa de uma sistematização afetiva e efetiva da pintura como dispositivo de proximidades e afastamentos, processos de uma visualidade integrada às vicissitudes da vida, a seus sobressaltos, surpresas, tristezas e alegrias. Rubens Zaccharias Jr.
A construção do fim Os desenhos da serie de ruínas de EV são feitos em plein air ou a partir de fotografias. Representam a ruína, aquela exata dimensão do tempo que age nas coisas. Dessa maneira, observar uma ruína é um trabalho de memória, uma história “psíquica” de um passado se materializando aqui, em fina técnica de nanquim sobre papel. Estes desenhos que vão além de uma instrutiva imersão nos estilos arquitetônicos das igrejas em todo o Brasil, eles também são sintomas dos próprios dilemas da expressão. A expressão não é aqui um reflexo da intenção a se realizar através da linha, mas sim, o retorno de forças e impulsos anteriores que guiam EV em 50 Igrejas em Ruínas, ou seja, da luz para a sombra e vice versa, a exemplo da passagem do tempo e sua relação com a destruição na arquitetura. Assim, reconstruindo a história imagética das igrejas antigas do país, revelando em cada fachada, uma linha que no começo, a mão livre, era pulso, hoje, sutil e flertando a sombra, faz sua obra aludir a dissoluções e esquecimentos. Paradoxalmente ao que interpretamos a primeira vista, ou seja, sua relação com o desenho de arquitetura, aqui estamos diante de desenhos que edificam o fim. Através da representação destas ruínas, daquilo que não segue mais o projeto-a ação do tempo- estamos longe daquele mundo ideal preconizado a séculos no ocidente e suas decorrências num barroco além mar, porque estes desenhos nos revelam a reconstrução dessa historia “psíquica”, que de alguma forma, também planejamos diante dessas sobrevivências, ato continuo de retornos, conhecimento e revelações. Rubens Zaccharias Jr.
Plásticas Libertas A exposição Plásticas Libertas reúne um grupo de artistas das mais diversas atuações e formas de pensamento, não os submete a uma curadoria em especial, com um tema ou conceito a priori, imprimindo à exposição um caráter de liberdade. Em tempos onde todos nos sentimos cada vez menos livres e censurados, essa pequena mostra nos ensina como conviver com o diverso. Nas obras aqui apresentadas, as dualidades entre signo e coisa, representação e matéria, vontade e linguagem se dissolvem de diversas maneiras. Elas são, acima de tudo, investigações sobre os meios e suas possibilidades expressivas, expositivas e enunciatórias. Do político ao subjetivo, da forma ao personagem, da intenção ao resultado, estes trabalhos revelam como a arte e principalmente a liberdade se pensa em cada um. Assim, repercutindo o múltiplo conceito de liberdade, essas obras confirmam o resistir e também o existir, é preciso estar atento! Fluxos, sentimentos, atos, ideias, forças, um mundo onde possamos nos transformar e evoluir. Os trabalhos aqui expostos, nos apresentam o retorno dessas urgências. Rubens Zaccharias