Mamanguá
O cheiro da tinta. Óleo e pigmentos disformes em pasta,
exalam sentido do que ainda será. O tato mistura a pasta, a mão segura o pincel
e anuncia o movimento. A memória é guia de quem pinta sem ver e mutável como as
águas, o céu, as nuvens. É fluida, se acomoda, se incomoda, se encontra, se embrenha,
se espalha e ocupa a tela.
O limite. Apesar da moldura recortar fragmentos da paisagem,
as águas, o céu, a areia e a mata se expandem, transbordam aos olhos de quem
vê. Alinha do horizonte traça um limite variável, dual, que ora divide o que
está acima e o que está abaixo, como um pensamento cosmológico; ora borra fronteiras que separam o espaço
entre o céu e a terra. Ela age como uma régua de nível inconstante, uma bússola
em alto mar que deixa-se perder, ao mesmo tempo em que encontra terra firme no
traço do pincel sobre a tela. Uma linha imaginária que sugere paisagens, traduz
o espetáculo da natureza e remonta o encantamento do olhar dos primeiros
viajantes. Nos remete não só ao mundo natural, mas ao mundo onírico, aquele em
que nos sentimos inebriados, justamente por encontrar os deslimites da
realidade.
O feminino. Mamanguá.
Mamas, vincos, veios, réstias, nos perdemos e nos encontramos diante
da infinitude. A tela é
redonda. E o
ciclo da vida permanente. O claro e o escuro se
alternam ao longe. Ora maré cheia, ora maré baixa, o lembrar e o não lembrar. O
inventar. Abstração e pensamento. A criação é tema e o céu a eterna morada dos deuses.
Camila
Gauditano
Mestre em antropologia pela USP
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